Texto: Isabel Clemente (Revista Época)
Medo, a gente enfrenta, eu dizia para ela. E por quê?, quis saber. Porque depois a gente se sente melhor, com um sorriso grande e silencioso dentro do peito, com orgulho de si mesmo por ter enfrentado um desafio, completei. Depois de um curto pensar, olhou-me novamente com tanta dúvida no olhar que eu mal sabia o que deveria responder, antes mesmo de saber o que vinha de lá.
– Mamãe…todo desafio a gente tem que enfrentar?
– Não, não tem.
– E como eu vou saber qual eu devo ou não devo enfrentar?
– Na hora você vai saber.
Senti que eu tinha sido insuficiente, até que uma nuvem carregada com a minha história pairou acima de nós, no quarto. De lá da nuvem, eu precisava sacar alguma memória capaz de simplificar o medo, medo que todos temos porque, enquanto fugimos da infância e entramos na rota da independência, qualquer um pode derrapar. Mas eu era uma menina com muitos medos, muito mais do que minha filha, a pequena e destemida primogênita, podia imaginar.
– Você vai escolher os desafios que valham a pena e que, principalmente, não te ponham em risco. Se alguém te desafiar a pegar um brinquedo na linha do trem com o trem vindo, você vai lá pegar?
– Não!
– E se alguém te convidar para uma competição de natação em mar aberto, com salva-vidas acompanhando os atletas em barcos, você vai?
– Vou!
– Mas se tiver tubarão na água, você entra?
Rindo, horrorizada, respondeu “nãooooo….né, claro que não!”.
– Viu que medo bom? Vai impedir que você caia nas garras de um tubarão!
Rimos.
– E está provado que você sabe discernir.
– O que é discernir?
– É conhecer a diferença das coisas. Do medo que precisamos combater, do medo que a gente deixa lá, parado, quieto.
– Esse meu medo eu tenho que enfrentar?
– Tem!
– Hummm…mas se eu não conseguir?
– Eu estou do seu lado e confio em você. Você não deveria se preocupar em não conseguir.
– Mas não consigo parar de pensar…
– Então pense na coisa boa depois do medo.
– Como assim?
– Eu também tenho medos, mas, para me livrar do medo, eu penso na coisa boa que vem depois. Sempre tem algo bom depois de vencer o medo.
– Tem?
– Hum-hum. Quer saber quando eu tive medo?
– Quero.
– Há seis anos. Quando você ia nascer. Começou aquela dor de neném querendo nascer, porque dói, vai doendo. Dói e para, dói e para, em intervalos cada vez mais curtos. Eu senti um pouco de medo.
Ela me olha, admirada. Continuei.
– Mas o medo passou quando eu lembrei que eu ia conhecer você! A gente nunca tinha se visto! Ela riu.
– Você era a coisa boa que deixou meu medo para trás.
– Mas mamãe, e se…
– Shhhh. Chega de falar de medo.
– É que…
– Dorme. Você já pensou demais sobre isso. Boa noite. Shhhh….
Tem hora que a gente precisa colocar o medo no lugar dele porque se der corda demais…ninguém dorme.