A mão que afaga a solidão

Março 30, 2024

Pintura: Cristo perante o sumo-sacerdote. Gerrit van Honthorst. 1617)

Texto: Sonia Zaghetto

Conta a tradição cristã a entrada triunfal de Jesus Cristo em Jerusalém. Sentado sobre um burrinho, foi saudado pela multidão em delírio. Os quatro evangelistas narram a mesma história: foi recebido por gente que estendia as suas vestes sobre o chão poeirento. As patas do burrinho pisavam os ramos das palmeiras espalhados para enfeitar seu caminho. Os devotos sorriam, bradando entre amor e fé: Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor!
Menos de uma semana depois, o mesmo Jesus Cristo estava morto. Após humilhações públicas e torturas, foi crucificado – a mais degradante pena que o Império Romano destinava aos que infringiam a Lex Julia Majestatis. Horas antes fora traído, negado e abandonado pelos amigos mais próximos; vira o governador Pilatos lavar as mãos em público e a multidão preferir salvar um conhecido criminoso. Dos que o saudaram dias antes, nem sinal. Na hora sombria, amargou plena e profunda solidão, a beber vinagre quando estava sedento, a ver suas roupas serem sorteadas entre desconhecidos. Aos pés da cruz, apenas sua mãe e alguns raríssimos amigos.
Jesus Cristo não é caso isolado na história da humanidade. Antes e depois dele, oradores, filósofos, poetas, astrônomos, imperadores e modernos cientistas desabaram da glória ao subsolo. De Julio Cesar a Cícero; de Hipatia de Alexandria a Alan Turing; de Sócrates a Oscar Wilde.
É do temperamento coletivo a frivolidade. As multidões mudam de opinião ao sabor das circunstâncias. Hoje, herói aplaudido; amanhã pária, candidato ao repúdio público.
Em tempo de redes sociais, o fenômeno é ainda mais rápido. Instantâneo, por vezes. Tem-se a ilusão de ter muitos amigos, mas passam os modismos, os gostos mudam, os queridinhos de ontem cedem lugar aos novos e – já disse o poeta – a mão que afaga também apedreja. Ai de quem se apega.
Mais que isso. Nossas vidas, a virtual e a real, são ruidosas. Pouco permitem que desfrutemos de nossa própria companhia. Estamos sempre a nos reunir, festejar, visitar, numa sucessão de compromissos. Em todos os intervalos, celular à mão, inclusive na cama, antes de dormir. Ao acordar, lá está ele, bem ao lado, na cabeceira, com sua vertiginosa espiral de novidades e emoções. Curtir, comentar, reagir, replicar e começar tudo outra vez. As horas escorrem rápidas e nunca estamos sós.
Do turbilhão da rede emergimos cansados, consumidos por inquietudes novas, não raro com uma pedra no coração ou ainda mais conscientes de que estamos de fato sozinhos, que certas amizades (virtuais ou não) revelam-se distanciadas dos nossos sentimentos e convicções. Ao se desnudarem, demonstram a nossa crua solidão espiritual – e esta é um estado que raros suportam. É que farejamos o perigo embutido na solitude. Nesse terreno pantanoso, o olhar se volta para si mesmo, não há certeza da pisada ou do que há após o véu do mistério. Certamente há dourados sóis, mas também os segredos que habitam os subterrâneos do espírito. Exige destemor.
O saber estar consigo mesmo – arte algo esquecida em meio às modernidades tão sedutoras – é essencial quando se pensa em meditação e tranquilidade da alma. A propalada mente calma nada mais é do que adaptação às circunstâncias, autocontrole, resiliência. Ela não se curva ao desespero, mesmo em meio à adversidade e às lágrimas sentidas. Sabe que cólera e paixões desenfreadas são péssimas conselheiras. Importante não as deixar assumir o controle.
Alcançar este estado de graça é um árduo e longo caminho. Exige treinamento, perseverança, disposição. E, se havemos de trilhá-lo, que seja de imediato, mesmo que se esteja abatido.
Os mais sábios, entre nós, souberam apreciar a solidão e suas lições.
Sócrates morreu cercado de discípulos, mas, a rigor, estava só. Não havia ali quem estivesse em comunhão com a sua serenidade. Os discípulos e a família estavam aflitos e ele teve de lhes dar exemplos de fidelidade às próprias ideias. Suas horas finais foram usadas para demonstrar o valor de suas teses. Não queria choro ou descontrole. Bebeu a cicuta até a última gota, sem que a mão tremesse. Na hora final, pediu que lhe cobrissem o rosto. Queria a solidão. Não se consegue isso de uma hora para outra.
Na história narrada nos evangelhos ocorre exatamente o mesmo. O Jesus que morre é ainda o homem que ensina, perdoa e exemplifica, apesar do corpo que se finda entre dores. Uma de suas últimas frases é emblemática: Eli, Eli, lamá sabactani (Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonaste?). Não é um pedido de ajuda, nem queixa. Estava apenas recitando antigo Salmo, o 22, que inicia com essa exata frase.
O poema de Davi fala de um homem desprezado, cujas vestes foram repartidas e as forças secaram. Um homem que morre sozinho e faz da finitude um instante de contemplação poética: “Como água me derramei, e todos os meus ossos se desconjuntaram; o meu coração é como cera, derreteu-se no meio das minhas entranhas.(…) Mas tu, Senhor, não te afastes de mim. Força minha, apressa-te em socorrer-me“.
Os instantes finais de Jesus Cristo são voltados inteiramente para si; a divindade e a companhia que evoca estão nele mesmo. Ficaram para trás os amigos que o traíram e negaram, os que dormiram enquanto chorava. Acho notável que Cristo chore na solidão de um jardim, ouvido apenas pela natureza silenciosa. Chora por se sentir esmagado pelo que virá, incompreendido, abandonado – como todo mundo. Tão humano. Chega a pedir que seja afastado o cálice amargo que lhe é oferecido, mas logo o aceita, pois sabe da importância da experiência. No final, perdoa a todos, pois compreende a alma humana, tão ignorante, mesquinha e volúvel. Ficaram para trás a política dos homens, as hipocrisias, as disputas por macro e micro poder. Nada disso importava no instante supremo. A ele bastava saber o que carregava no peito. É um modelo filosófico poderoso, que vai além de religiões. O que fez não é impossível para nenhum outro ser humano. Preparar-se para tal solidão pacificada é o desafio que hoje se impõe a todos nós.
Coragem, pois. Ao olhar no universo de si mesmo, pode-se descobrir galáxias e nebulosas, planetas que giram docemente, estrelas de alta magnitude. Nesse gesto de amor próprio, o homem aprende a estar bem consigo. A mão pousa gentilmente sobre o peito, afagando a solidão. Em paz.


Eu, que eu possa descansar em paz

Outubro 25, 2023

Texto: Yehuda Amichai

(tradução de Millôr Fernandes)

Eu, que eu possa descansar em paz.
Eu, que ainda estou vivo e digo:
que eu possa ter paz no que tenho de vida.
Eu quero paz agora mesmo, enquanto ainda estou vivo.
Não quero esperar como aquele piedoso que almejava
uma perna do trono de ouro do Paraíso. Quero uma cadeira
de quatro pernas, aqui mesmo, uma cadeira simples de madeira.
Quero o resto de minha paz agora.
Vivi minha vida em guerras de toda espécie: batalhas dentro e fora,
combate cara a cara, a cara sempre a minha mesmo,
minha cara de amante, minha cara de inimigo.
Guerras com velhas armas, paus e pedras, machado enferrujado,
palavras, rasgão de faca cega, amor e ódio,
e guerra com armas de último forno, metralha, míssil,
palavras, minas terrestres explodindo, amor e ódio.
Não quero cumprir a profecia de meus pais de que vida é guerra.
Eu quero paz com todo meu corpo e em toda minha alma.
Descansem-me em paz.


Manipulação

Agosto 16, 2023

Texto: Alexandro Gruber

Arte: Greta Conganas

Os manipuladores vão sempre tentar reverter a situação ao seu favor e usar de jogos emocionais para que nunca precisem assumir a responsabilidade por seus atos. Nesse jogo qualquer reação as suas atitudes tóxicas por parte de outros é tida como exagerada e imaginária, fazendo com que a vítima da sua manipulação coloque em dúvida a sua interpretação dos fatos e se sinta culpada por isso.

O manipulador nunca assume as suas atitudes nocivas, não se desculpa, não busca mudar, nem se esforça pelo equilíbrio da relação. O que está em questão é um jogo de poder, onde ele mantém o outro disponível para ele, seja através da culpa ou da dependência.

Todos somos seres que temos nossas falhas e as vezes temos dificuldade de identificá-las e admiti-las. O que diferencia esse comportamento natural da manipulação é que o manipulador tem mais consciência do que faz e abusa das vulnerabilidades do outro para fazer o que deseja e ser sempre o herói ou a vítima da história.

As maiores defesas contra a manipulação emocional são sempre uma autoestima bem trabalhada e limites bem traçados.
Ninguém precisa se sentir culpado por buscar o equilíbrio de uma relação e por apontar traços que precisam ser trabalhados. Ninguém deve ficar com alguém que ameaça a sua saúde mental e achar que não merece alguém melhor. Alguém que ama de verdade acolhe nossas fraquezas, jamais abusa delas. É sempre alguém disposto a melhorar e não camuflar suas toxidades.

Jamais alguém será culpado por buscar algo equilibrado e saudável. E qualquer um que trabalhe contra isso não é alguém bom para ficar.




Viver é tear

Julho 11, 2023

Texto: Isabel Mueller

🎨rachel_gomess

Tantas coisas que é preciso limpar: mente, gavetas, porões.

Refaz tua vida como quem descostura ilusões.

Há muitos esquadros, enquadres, do que no quadrado não cabe, do que no script não há.
Ampara o teu desejo pela ordem, que desfaça a desordem em ti.

És terra ceifada, tiradas as ervas daninhas.
Lançadas as sementes no trigo da tua colheita.

A vida pede cuidado nos brotos do não visível.
Para que se manifestem concretos na beleza de quem os vê.

Observa a natureza e suas lições.
Vive digno com teu provento.
Viver é tear. Tecer o fio da história.
Gesto artesanal que é o teu sentido.

O corpo é tempo. O corpo é templo.
O corpo e seu dizer. O corpo e seu dever.
Corpo de labor e de prazer.



TDAH

Junho 4, 2023

Texto: Francisco Daudt

Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH, DDAH ou, em inglês, ADHD)

Poderia se chamar de Transtorno do Tédio Fácil. É uma curiosa condição genética de baixo nível de dopamina (o neurotransmissor do prazer/recompensa) nas sinapses cerebrais, seja por baixa produção, seja por alta recaptação, não está claro.

Quem tem uma certa estabilidade de dopamina não sofre facilmente de tédio como os do TDAH, não precisam ficar buscando constantemente novos estímulos, como eles precisam, e por isso não conseguem se focar em uma única coisa por muito tempo.

Nem se trata de uma decisão consciente, a coisa é automática: como o nível de dopamina cai rapidamente e o tédio começa a incomodar, novos estímulos capturam a atenção e dão um shot de dopamina. O processo se repete sem parar, por isso a falta de foco.

De modo que chamar de déficit de atenção é meio enganoso; mais preciso seria chamar de “excesso de novas atenções”.

Daí vêm as características do transtorno: dificuldade de manter foco e de prestar atenção a detalhes; esquecimento e distração frequentes; excesso de brincar com os dedos, mexer em coisas, de fala; dificuldade de parar quieto em situações que demandem isso (como o príncipe Louis, o caçula do William e Kate); impulsividade; baixo desempenho acadêmico; dificuldade de leitura de textos maiores; irritabilidade e angústia/ansiedade. Mulheres com TDAH têm menos hiperatividade. O déficit de atenção predomina nelas.

O TDAH pode ser facilmente confundido com depressão (falta de graça em tudo) e pode ser porta de entrada para vício no celular, nos videogames e em substâncias psicoativas, pois produzem alívio do tédio.

As anfetaminas modernas (primeiro a Ritalina, mais recentemente o Venvanse) atuam aumentando o nível de dopamina nas sinapses: isso anula o tédio, permite o foco mantido, e assim poder ler, poder construir algo sem recompensa imediata.

A mudança é tão gritante que poderia se fazer um teste diagnóstico com o Venvanse: se a pessoa não notar grande diferença, não é TDAH.


Feliz dia das mães

Maio 14, 2023

Texto: Ana Suy

Feliz dia das mães para quem está sendo engolida pela maternidade, buscando desesperadamente uma forma de encontrar uma porta de saída – e feliz dia das mães para quem já encontrou uma porta de saída, mas se pega sendo engolida por ela volta e meia ainda assim.

Feliz dia das mães para quem sentiu o amor maior do mundo quando viu seu filho pela primeira vez – e feliz dia das mães para quem foi construindo com seu bebê um amor aos poucos.

Feliz dia das mães para quem grita muito que nem louca – e feliz dia das mães para quem fala de menos e com frequência sofre em silêncio.

Feliz dia das mães para quem precisou enfrentar a dor maior, o pesadelo mais terrível e inimaginável de uma mãe, de continuar sendo mãe de quem não está mais aqui – e feliz dia das mães para os filhos que fazem jus à existência de uma mãe que já se foi, mas permanece vivíssima em seus corpos e corações.

Feliz dia das mães para quem tem filhos adultos “formados”, que suportaram e se alegraram com seus crescimentos, mudanças de casas, cidades, países, continentes – e feliz dia das mães para quem tem filhos que, pelo motivo que for, não puderam ir e seguem, talvez, mais ao lado da mãe do que elas gostariam.

Feliz dia das mães para aquelas que gestam no corpo e no desejo um bebezinho que já é muito amado – e feliz dia das mães para aquelas que sofrem por não entender o que acontece com o mundo, com os seus corpos e/ou os de seus parceiros, que o bebezinho não chega.

Feliz dia das mães a todas aquelas que puderam elaborar o luto do que pensaram que era a maternidade, do que pensaram que eram os seus filhos e que, assim, descobriram, seguem descobrindo ou estão prestes a descobrir que a maneira mais legítima de amor é aquela que é possível!


Eu sonhei estar aqui

Abril 25, 2023

Texto: Cris Lisboa

Ouse fazer visitas sem se guiar por antigos mapas, não arranque as flores, não pise na grama, não devaste, não julgue o que é considerado sagrado.

Aprecie os museus, contemple as estrelas, se encante pelas múltiplas possibilidades de céu, respeite as leis, honre a história, acaricie as superfícies, ouça os muros, perceba o charme tempo é capaz que Só a passagem do de dar, sinta os perfumes, compreenda as tempestades, se lambuze com os gostos, aprenda palavras importantes na língua local, admire as águas, se assombre com a beleza menos óbvia, dance a música, encontre oásis, diga em voz alta “eu sonhei estar aqui”.

E, sobretudo, ame as minúcias que só tu é capaz de enxergar.


Abril

Abril 2, 2023

Texto: Eduardo Affonso

Tratado como mês, com início e fim, espremido entre março e maio num calendário, abril é uma mentira.

Não à toa, começa, “oficialmente”, num Primeiro de Abril, e encerra os trabalhos às vésperas de um Primeiro de Maio.

~

Abril é tudo, menos um mês, desses com trinta dias, dias úteis, sábados, domingos, feriados.

É uma circunstância, um ânimo, uma descarga de serotonina.

É abril quando todas as manhãs são manhãs de domingo, e as tardes caem como nas canções de bossa nova.

É abril quando se respira como se o ar tivesse sido inventado agora.

É abril quando a vida pulsa aqui, não lá fora.

~

Abril começa quando o sol se cansa de ser calor e se permite ser só luz.

E termina quando é preciso fechar a janela para dormir, quando é preciso fechar os olhos para sonhar, quando o corpo já não se aquece por si.

Após cada chuva de março o céu já se pinta de abril.

E é ainda abril quando, em maio, cada hora inventa outro azul.

Por isso abril é o mais cruel dos meses – pode durar um instante, pode nunca existir.

“Germina lilases da terra morta, mistura memória e desejo.” (Elliot)

~

Abril dura tanto quanto uma paixão.

Pode começar no Carnaval e morrer na quarta-feira, ou se estender até São João.

Ou durar a vida inteira – por que não?


Gerencie suas emoções

Março 21, 2023

Texto: Rana Vitória

Não adianta suprimir suas emoções achando que elas irão sumir… Ao contrário, elas se acumulam e ficam cada vez mais intensas dentro de você!

As emoções não se reprimem. Tudo que tentamos manter escondido, não visto, não ouvido, não reconhecido e secreto, cedo ou tarde é expurgado para fora. Uma boa metáfora que explica a questão da supressão emocional é a da bola de ar na piscina. Você já tentou afundar uma bola cheia de ar dentro de uma piscina? É preciso um determinado esforço para empurrá-la para baixo e mantê-la submersa. Mas chega uma hora que somos rendidos pelo cansaço e a bola escapa com toda a força para a superfície.

O mesmo acontece quando tentamos suprimir nossas emoções. Mais cedo ou mais tarde elas disparam em direção à superfície. As emoções reprimidas funcionam como cavalo de Tróia contra nós mesmos, nos destruindo, devastando e deixando estigmas em nossos comportamentos. Se não soubermos lidar com nossas emoções, seremos incapazes de geri-la e entender a mensagem que ela veio trazer.

Lembre-se que cada emoção cumpre uma função específica e você está experimentando isso por um motivo. Qual mensagem essa emoção veio te trazer? se ela falasse, o que ela te diria?

A raiva, por exemplo, cumpre a função de defesa e te prepara para o enfrentamento. Ela pede que você revise seus limites e perceba que eles podem não estar sendo respeitados. Mas se você não sabe gerir essa emoção, vai para o rancor, ressentimento e ódio.

O medo cumpre a função da autoproteção, para te manter seguro e livre de perigos que ameacem a sua integridade física e emocional, porém quando mal gerenciada ela pode te paralisar, trazer uma ansiedade desproporcional e crises de pânico. A tristeza é um convite à introspecção, ao recolhimento, ao casulo. Quando bem gerenciada produz autoconhecimento, ajuda a processar momentos difíceis e também a reconhecer e validar nossos sentimentos. O manejo disfuncional da tristeza é a depressão, marasmo, melancolia e isolamento.

A verdade é que não existem emoções boas ou más, todas cumprem uma função. Não reprima, testemunhe a sua passagem. Emoção é energia em movimento. Permita-se sentir para aprender a lidar.


Porque você não disse?

Março 18, 2023

Texto: Geni Nunez

Nem sempre o que temos a dizer é algo fácil de ser dito, seja pelo conteúdo, seja por nosso receio de desagradar, entre outros tantos motivos.

Conversa é relacional, por isso não adianta só cobrar que a outra pessoa fale o que tem de ser dito se o espaço da escuta for ausente.

Por temer a reação do outro, suas chantagens, distorções, ameaças e punições, muitas pessoas adiam ou atenuam o que têm de dizer.

Nem sempre é fácil simplesmente só se afastar, há dependências financeiras, emocionais, de toda ordem.

Antes de apenas cobrar o outro que te fale a verdade, há que se averiguar se há mesmo alguma

abertura para escuta.

Por outro lado, não falar aquilo que nos é importante, mesmo quando há contexto para isso, pode apontar para uma subestimação do outro.

Acreditamos que a pessoa não terá condições de ouvir, que não aguentará viver sem nós, que ela é muito fraca.

Há aí uma série de projeções que diz muito sobre o hipervalor que atribuímos a nós mesmos na vida de outra pessoa, esquecendo que ela tem sua própria história anterior e posterior a nós.

É também um meio de responder pelo outro antes mesmo de perguntar a ele suas próprias percepções.

Não é uma forma de cuidado continuar com alguém por pena, pelo contrário.

Além disso, há vezes em que não queremos lidar com a possibilidade de deixarmos de ser os “bonzinhos”, queremos que todo mundo nos ame, nos veja sempre da melhor forma, que nunca haja conflito, mas isso não é possível se formos minimamente autênticos.

Há que se abrir espaço para escutar(se) e compreender o porquê de não estarmos dizendo aquilo que é fundamental para nossa saúde.

É comum que a cena que fantasiamos sobre o que acontecerá se falarmos seja muito mais terrível que a realidade. Sendo ou não, o preço do não dito também é alto.

Se já foi falado mas não houve escuta, porque insistir em desperdiçar as palavras?

Talvez aí, precisemos acrescentar uma outra questão, que também nos convoque a uma co-responsabilização:

  • por que eu não (me)escuto?