Porque é tão difícil conciliar amor e desejo na mesma relação?

amor

Texto: Nathalia Ziemkiewicz ( do site http://napimentaria.com.br/ )

A mesma mão que afaga os seus cabelos precisa saber a hora de puxá-los até arder a nuca. Uma pessoa doce e gentil que também tenha pegada e sussurre baixarias ao pé do ouvido. Você quer alguém para construir um lar e uma família, compartilhar valores e sonhos. Um porto-seguro. Porque amor é estabilidade, cumplicidade, respeito, proteção, permanência. Quando você tem a sorte de encontrar, o desafio muda. Porque aquela cama com edredom e mil travesseiros que você decorou igualzinha às da revista, de repente, parece macia demais. E aí você sente saudade de transar no desconforto do carro, do tempo em que areia na bunda não era incômodo, do frio na barriga de percorrer o corpo do outro pela primeira vez. Percebe que tesão tem a ver com novidade, perigo, mistério, imprevisibilidade, surpresa. Então você exige do outro o maior dos paradoxos: “me dê rotina e me dê aventura”. O dilema do amor moderno se resume a uma pergunta… Podemos desejar aquilo que já conquistamos?

A aflição está na mesa do bar que divido com as minhas amigas, nos chás de lingerie que realizo, nos e-mails de leitoras do Pimentaria. “Socorro, não tenho mais vontade!”, dizem. Vontade por quem amam, que fique claro. Muitas confessam atração e envolvimento com terceiros – o proibido sempre foi erótico, não? Todas querem a receita que leva de volta à paixão, um pó qualquer que se misture ao feijão de cada dia. Imploram por isso como se eu, apenas por escrever sobre sexo, não tivesse minhas crises de libido. Anos atrás, participei de um workshop com a terapeuta sexual Esther Perel. Eu estava lá para observar e entrevistar a mulher que havia vendido milhões de livros sobre como driblar as armadilhas do casamento. “Intimidade não é garantia de sexo, muito menos de bom sexo” foi uma das frases que ouvi dela e ainda ecoa dentro de mim.

O que ela quis dizer com isso? Primeiro que estar tão próximo emocional e fisicamente de alguém inibe o desejo. Você deixa pra amanhã ou depois de amanhã porque, afinal, o outro estará sempre ali à disposição e ao alcance das suas mãos. Hoje o capítulo da novela está imperdível ou você chegou estressada do trabalho ou deu preguiça de se depilar. Desculpa atrás de desculpa, esgotam-se dias e semanas inteiras sem contato sexual. E por que não é garantia de BOM sexo? Você pode andar pelada pela casa, cutucar as espinhas das costas dele, fazer xixi de porta aberta… E não pedir que ele procure um urologista para tratar da ejaculação precoce, morrer de vergonha de contar que fantasia com um ménage à trois ou que adora sexo oral. Gosto de definir “intimidade” como a capacidade de dizer para o outro aquilo que talvez seja difícil dizer para si mesmo – e ter a maturidade de ouvir dele algo que talvez não seja lá muito fácil também.

Amor e desejo são duas necessidades humanas fundamentais. Conciliar ambas numa relação só é algo recente na sociedade. Décadas atrás, na geração dos meus bisavós e avós, o matrimônio era muito mais uma instituição econômica do que um pacto amoroso. As pessoas se uniam para ter filhos, status social e companhia por toda a vida. Para Esther Perel, hoje esperamos que, além disso, o outro seja nosso melhor amigo e um amante apaixonado. Imagine o inverso: alguém pedindo a você que seja provedora da casa, uma parceira leal, uma mãe exemplar, uma profissional invejada, uma esposa atenciosa, uma mulher sexy e fogosa. Parece pesado, não? Pois é. A gente quer isso e aquilo, com cobertura de caramelo e chantilly, por favor. A crua verdade é que estamos exigindo demais do outro. O que VOCÊ está fazendo para ter uma vida sexual mais satisfatória? Você toma a iniciativa?

Esther, minha guru, me ensinou que a espontaneidade do sexo numa longa relação é um mito. O tesão não cai do céu enquanto a gente lava a louça e bota as crianças para dormir. Tá, eu sei que antes bastava ele encostar em você para saírem faíscas. Mas, oi, isso acabou – simplesmente porque é assim que funciona. Mesmo que você se apaixone perdidamente por outra pessoa, a tal crise vai acontecer de novo com o passar dos anos. Manter o desejo requer foco e esforço mútuo. Assim como praticar uma atividade física, dá aquela preguiiiiiiça, depois você se sente revigorado e quer mais. Encare o sexo como uma tarefa na sua agenda de compromissos. Uma tarefa prazerosa, um tempo para desfrutar da intimidade com quem você ama. Pode ser, sei lá, às quintas-feiras.

Não significa que, necessariamente, vocês vão terminar a noite num orgasmo fenomenal. Apenas que vocês vão deixar os filhos com a avó, ou vão sair para jantar, ou vão abrir um vinho e conversar, ou vão tomar um banho juntos, ou vão massagear o outro… Os casais eróticos preservam sua privacidade, abrem brechas para um encontro intencional em meio a tantos desencontros da vida a dois. Nas palavras de Esther, numa palestra do TED (clique para assistir), eles entendem que sexo não é um espaço em que você precisa ser politicamente correto e que preliminares não são aqueles cinco minutos antes da penetração. Tem a ver com o elogio de manhã e a mensagem safadjenha de celular durante a tarde. E o mais importante… “Eles sabem que a paixão vai e volta, como a lua. Que tem eclipses de vez em quando. E sabem que conseguem ressuscitá-la”.

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